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sábado, 8 de setembro de 2007

Gaúchos nativos - cultura e sobrevivência

No início de 1994, um grupo de guaranis foi enxotado de uma cidade gaúcha, pois os donos do lugar não queriam índios zanzando na região. Colocaram a carga indesejada em uma Kombi e a depositaram no município de são Miguel das Missões que, de acordo com a prefeitura descontente, dona da Kombi e do direito de ir e vir, lá sim era terra de índio. Recebidos pela população, os guaranis montaram uma aldeia, onde vivem até hoje. Nos finais de semana e dias de grande movimento, como nas festas de final de ano, famílias inteiras deixam silenciosamente suas casas de lona cobertas com palha – que mais se assemelham a barracos de um acampamento sem-terra – e caminham alguns quilômetros até atingir as ruínas da velha igreja. Não falam com estranhos, talvez por também se sentirem estrangeiros nessa terra. Chegando, estendem pelo chão onças, corujas, tamanduás, arcos e flechas, cruzes e outros artesanatos feitos de madeira e bambu, contas e outros penduricalhos. O parco português da maioria é suficiente apenas para dizer os preços aos turistas: a partir de R$ 4,00, dependendo do trabalho gasto na confecção da peça. Ao mesmo tempo em que os pais negociam, as crianças brincam no gramado do sítio arqueológico. Correm e jogam futebol, fazendo de traves dois restos de colunas com mais de 300 anos de idade... Outras crianças, ficam a espera de turistas no estacionamento, correndo em sua direção. “Troquinho, troquinho!” Esmolas nessa noite são mais difíceis de serem negadas. A concentração de visitantes vai aumentando: afinal de contas todos querem assistir a missa *(de natal) nas ruínas do povoado jesuíta de São Miguel Arcanjo, antiga capital dos Sete Povos das Missões, cidades guaranis que por conta dos padres da Companhia de Jesus, chegaram a juntar milhares de almas pagãs convertidas à fé católica. Quando a noite cai e a missa começa, já não há mais nenhum guarani nas ruínas. Apenas o refletor iluminando um altar improvisado, cercado pela multidão. Na fala do bispo, convidado da vizinha Santo Ângelo para a cerimônia, graças aos céus por 500 anos de cristianização e três séculos da ação da Companhia de Jesus. Os índios retornam à aldeia levando de volta suas réplicas de cruz jesuítica que, apesar de fazerem sucesso entre os turistas, não foram totalmente vendidas desta vez... O povo construtor daquela cidade, hoje em ruínas, que já foi senhor de todas as terras ao redor, sobrevive de réplicas de seu passado vendidas a turistas brancos. Uma fina ironia que, para ser compreendida melhor, necessita de alguns séculos de explicação... O trecho acima foi destacado na íntegra do site “www.reporterbrasil.org.br”, escrito por Leonardo Sakamoto com data de 1º/12/2000. O texto, retrato do dilema e precária situação atual do descendente guarani dos séculos 17 e 18, dispensa comentários... A consciência do homem branco que se apoderou impiedosamente das terras do índio precisa crescer e tornar-se um grito, tão forte quanto foi o de Sepé Tiaraju, cacique dos guaranis: “Esta Terra tem dono!” (segue, próxima edição).

Vestígios da história missioneira

Fazer Turismo nas Missões é descortinar as raízes da formação da América. São mais de dois mil anos da presença dos índios guarani e quatrocentos anos da entrada dos jesuítas que vieram da Europa para levar a fé cristã aos nativos destas terras. Mergulhar no Mundo Missioneiro é poder andar por três países: Brasil, Argentina e Paraguai, nas fronteiras do MERCOSUL, visitando entre outros, sete Patrimônios Culturais da Humanidade. São Miguel das Missões é o grande atrativo do roteiro; Patrimônio Histórico e Cultural Nacional desde 1938 e Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade desde 1983, único no sul do Brasil. Milhares de turistas internacionais e do país encantam-se ao ver as ruínas da mais completa igreja em estilo barroco missioneiro, de todos os remanescentes jesuítico-guarani. Sua arquitetura foi projetada pelo irmão jesuíta italiano Gean Batista Primolli. Aos lados da igreja estão os vestígios do colégio, oficinas, onde eram produzidos os instrumentos musicais e produtos necessários à vida da redução, cemitério, casa dos padres, casa dos índios, hospedaria e o cotiguaçú - um dos principais símbolos do que foi a perfeição daquela sociedade – pois ali ficavam as viúvas, órfãos e doentes que eram cuidados por todos. Nos fundos ficava a quinta. Era o local de cultivo de plantas silvestres e adaptação de plantas trazidas da Europa. Atualmente, o mesmo local está sendo retomado para o plantio de pomares. A água utilizada pela redução de São Miguel Arcanjo era trazida de sete fontes, uma delas, a Fonte Missioneira. Fica a mil metros das Ruínas podendo ser visitada pelos turistas. Para quem gosta de aventuras, há a Trilha dos Guarani, a Peregrinação dos Santos Missioneiros e o Caminho das Missões, onde em até sete dia, caminha-se 180 km nas antigas estradas dos jesuítas. Nas missões estão as raízes da formação do povo gaúcho, demonstradas no uso da erva-mate através do chimarrão e da carne de gado através do churrasco. Diversas propriedades rurais que trabalham com turismo, oportunizam a vivência desses costumes. Lides campeiras, cavalgadas e também histórias do mundo gaúcho contadas ao redor de um fogo de chão, são encantos que os visitantes poderão curtir quando vierem à região das Missões. Segundo texto de José Roberto de Oliveira, base de pesquisa para essa coluna, a viagem turística se completa no Brasil, visitando um conjunto de outros patrimônios nacionais e locais na Rota Missões e, internacionalmente, conhecendo o Circuito Internacional das Missões Jesuíticas integradas com Foz do Iguaçu.Ao finalizar, vale uma pergunta: e os índios, os descendentes dos nativos guarani, onde estão? O que fazem? Como vivem? São questões que merecem um novo texto considerando-se a amplitude e importância do assunto.

Missões: conhecemos nossa história?

No ano de 2005, o tema “Missões” foi de grande destaque e ganhou o prêmio principal no desfile carnavalesco do Rio de Janeiro com a Escola Beija-Flor. O Brasil inteiro ficou encantado com o espetáculo que teve repercussão mundial. Mas, quantos serão os brasileiros que realmente conhecem o que se passou nas Missões? Quantos gaúchos e até missioneiros há, que pensam tratar-se apenas de um mito ou, lenda? No entanto, existem vestígios materiais e humanos suficientes para contar a história. Historiadores e pesquisadores fazem a sua parte. Cinco séculos passaram desde a vinda dos primeiros colonizadores na América. Diversos espaços conheceram um longo, lento e gradual processo de mudança cultural influenciado fortemente pela arte sacra. Nas 30 reduções de índios Guarani que padres jesuítas fundaram e desenvolveram ao longo do rio Uruguai, entre os anos de 1609 a 1768, foram produzidas mais de quatro mil peças de escultura, das quais restam trezentas, dispersas em vários museus. A maioria das imagens era de santos, talhadas em madeira e pintadas. Representavam estilos variados. Algumas possuíam articulações e cavidades dorsais para serem usadas em espetáculos sacros e procissões. As reduções tiveram grande desenvolvimento econômico, social e tecnológico. À medida que a organização de padres e índios prosperava e se tornava mais independente, começavam os conflitos entre as monarquias ibéricas: Portugal de um lado, Espanha do outro, disputando entre si as terras colonizadas. A conseqüência dessa disputa foi um “arraso” para os povos indígenas. Quando a região foi colocada em pauta no Tratado de Madri, iniciou sua decadência. Pelo acordo, os índios deveriam abandonar as Missões e seguir para as áreas dominadas pela Espanha. Marcados pela violência dos bandeirantes paulistas, padres e Guarani rebelaram-se e se recusaram a aceitar os portugueses como novos senhores. Estourou então a “Guerra Guaranítica” liderada por Sepé Tiaraju para enfrentar as tropas portuguesas, juntamente com outros caciques Guarani. A repressão foi dura, pois naquele momento se uniram os exércitos portugueses e espanhóis. Durou três anos, de1753 a 1756. Sepé foi morto, juntamente com milhares de Guarani. Perdida a guerra, os indígenas e os padres abandonaram as aldeias passando com os sobreviventes para o lado paraguaio. Alguns que ficaram ainda resistiam. Doze anos mais tarde, vendo que a presença dos jesuítas dificultava o controle da região, o rei da Espanha os expulsou das províncias platinas, acabando com o trabalho de quase 160 anos em mais de 70 aldeias cristãs fundadas. Expulsos de suas terras, os Guarani espalharam-se na Argentina e Paraguai, até a guerra que quase os exterminou na segunda metade do século 19.As reduções foram uma experiência diferente dentro da época colonial: uma tentativa de cristianizar os indígenas, guardando alguns valores nativos, como a língua e certas formas de organização. Hoje, das reduções, só restam ruínas e a lembrança de uma experiência que quis ser diferente...

Missões: a conquista espiritual através da arte

A arte que se desenvolveu nas missões não tinha finalidade lucrativa nem estética. Estava a serviço do ensino da religião cristã e satisfazia as exigências pedagógicas da Companhia de Jesus: iniciar os índios nas artes manuais. Nos arquivos da história missioneira consta que a arte em todas suas linguagens foi o recurso usado como apoio na catequese e fazia parte do conjunto da organização das missões. Desde a infância, alguns índios aprendiam a tocar e a fabricar instrumentos musicais copiados de originais europeus. O estilo barroco influenciou a arquitetura, escultura, pintura, teatro e música. Os Guarani tornaram-se escultores, cantores, músicos, impressores, pedreiros, e ferreiros cujos trabalhos evidenciavam a presença de traços culturais indígenas. A arte missioneira sintetiza os conhecimentos artísticos europeus com a produção dos indígenas. Os Guarani tiveram como mestres, jesuítas de formação sólida nas ciências e nas artes. Desses destacaram-se o padre Antônio Sepp – na música, botânica e fundição de ferro; o padre José Brasanelli – na arquitetura e escultura e o padre João Batista Primoli – responsável pela igreja de São Miguel Arcanjo. Imprimiram livros, criaram esculturas, pinturas, relógios de sol, sinos. Ao entrar na missão, o primeiro sacramento do ritual católico era o batismo que além de representar a profissão de fé, principiava a identidade missioneira. Naquele momento o infiel passava a ser fiel e ingressava nos ditames da sociedade global espanhola. Os índios selvagens passariam então a viver, primeiro como seres humanos e logo mais, como cristãos. A própria condição de ser humano partia daquele ritual de transição, da vida tribal para a vida chamada “civilizada”. As obras artísticas eram os instrumentos usados nessa transição. Dentro desse quadro deduz-se então que a intenção do Estado, da Igreja e da Companhia de Jesus, foi, através do missionário, salvar os índios da “infidelidade”. A religiosidade do guarani foi qualificada de impostora e enganosa perante a “verdade” tida como absoluta do cristianismo em expansão.A Missão deveria facilitar a passagem do pensamento mágico-religioso envolto em crendices, superstições e atitudes demoníacas, para o racionalismo qualitativo católico como era a lógica do conceito cristão. O cristianismo estava amplamente representado pelas imagens de santos e anjos, esculpidas e veneradas pelos fiéis guaranis em toda missão.A arte nas missões tinha sua função, e continua hoje, embora com diversa finalidade, cumprindo com seu papel de expressar sentimentos e conquistar a transcendência, o espírito.

Arte barroca missioneira

A convite, ocuparei esse espaço para escrever sobre a influência da arte na educação. 
Trabalhando com Oficina de Artes na escola, experimento diariamente a abrangência da arte e o resultado positivo que o trabalho artístico provoca, fazendo com que o aluno busque mais interesse nas outras áreas, eleve sua auto-estima e se transforme num observador crítico. 
Ao desenvolver projeto, publicado pela escola, indagaram-me sobre o significado da arte denominada "barroca missioneira". Pela pesquisa, descobri que foi um estilo, surgido na Europa, por volta de 1660, prolongando-se até 1710. O termo pode significar superfície de pérola irregular, excesso de escultura e de ornamentação. É definido numa frase proposta pelo escritor Jackes Lacan: “O barroco é a regulação da alma pela escopia corporal”. Quer dizer: é aquilo que aparece, se faz visível através da encenação, da obra, da arte. É o que vai regular a alma, seu ser. A arte barroca, que surgiu em meio a um clima de austeridade e repressão na Europa, típica da Contra-Reforma, tinha por objetivo a propagação da fé católica no jogo entre o bem e o mal. Em dado momento histórico, mais precisamente, no século XVI, a partir de 1607, vieram os missionários jesuítas, padres da Cia. de Jesus, primeiros europeus a penetrar e se estabelecer no sul do Brasil, encarregados da Conquista Espiritual da América. Parte de seu projeto são os Trinta Povos, denominados Missões, da Província Jesuítica do Paraguai, que se localizava na Bacia do Rio da Prata e corresponde, atualmente à parte do território do Paraguai, Brasil e Argentina. A conquista espiritual foi feita essencialmente pela persuasão. Formas exuberantes, cheias, viçosas, coloridas e animadas são as características da arte barroca. Na concepção barroca, a aparência implica o ser e estabelece uma seqüência lógica: imitar os gestos – fazer os gestos – induzir o ser... Foi pela inebriante beleza do conjunto da arte retórica, plástica e musical trazida pelo europeu e mesclada com os retoques da primitividade do artífice indígena, reduzido nas missões, que surgiu a arte barroca missioneira, ou seja: um barroco “indianizado”. A representação do êxtase e da agonia em aparições de figuras divinas, que pela sublimidade de gestos e expressões, pudessem inspirar devoção, foi encontrada em obras reconhecidas como feitas pelos jesuítas ou indígenas copiadas de modelo europeu. Porém, à medida que o indígena se distanciava do modelo, ia moldando do seu jeito, feições plácidas, não conseguindo reproduzir o imaginário artístico da Contra-Reforma. Esculpia o que via de santidade, nada mais que os padres e sua condição humana de pregação com seus pesados hábitos e gestos rituais. Os corpos e vestes voluptuosas ficavam por conta dos missionários. Após o aprimoramento do traço guarani, este colocava sua própria impressão nas imagens esculpidas ou pintadas. Percebe-se isso, em uma imagem de Nossa Senhora que tem cabelos e traços fisionômicos próprios dos indígenas. Isso demonstra que os índios não eram apenas copiadores, como muitos pesquisadores pensam, mas eram verdadeiros artistas que viam na arte uma forma de expressar seus sentimentos. Assim se explica a beleza dos quadros, esculturas e a perfeição da melodia nos corais e orquestras. Segundo BELLOMO (1997, p. 42) “[...] em resumo: nas imagens missioneiras os aparentes exageros do barroco europeu foram, por assim dizer, corrigidos pela natureza severa e grave dos indígenas”.Foi assim que surgiu um novo ramo do estilo artístico europeu: a arte barroca missioneira. Fonte: http://www.Freud-lacan.com